Que país é este?

O assunto do qual vou falar hoje aqui não tem a ver com a minha filha. Mas é que gostei de escrever neste blog, e acho que as vezes ele poderia funcionar como uma espécie de diário digital. Enfim. A questão é que sou funcionário público e trabalho atualmente na Vara da Infância e Juventude. E trabalhando lá vejo situações escabrosas nos processos. Se contasse ninguém acreditaria. Não posso falar sobre isso por uma questão de ética e porque todos os processos que envolvem menores tramitam sob segredo de justiça. Mas posso dizer que são coisas inimagináveis, tristes, nojentas, com crianças abusadas sexualmente por pais, padrastos e/ou estranhos, abandonadas por parentes em abrigos, e que sofrem todos os tipos de problemas e torturas psicológicas possíveis. Eu particularmente fico mais sensibilizado porque tenho uma filha com quase quatro anos de idade. E existem várias crianças abrigadas com idade nesta faixa etária.Assim, é muito difícil não ficar triste e não sentir muita pena quando trabalho em um processo de uma criança com três, quatro anos. Pois fico pensando em quanto carinho e amor minha filha recebe de mim, da mãe, dos avós, tios, etc, e em como algumas destas crianças conseguem sobreviver apenas com "migalhas" de carinho que recebem dos funcionários dos abrigos e/ou estranhos. E penso ainda como poderia ser tão diferente, não existindo tantos menores/adolescentes que hoje estão cumprindo pena aqui em minha cidade, se estes mesmos menores recebessem na infância um carinho, um abraço dos pais/mães, uma palavra amiga, uma orientação, enfim. Mas além dos processos a respeito de acolhimento de menores, também existem processos referentes aos atos infracionais cometidos por menores.Em termos leigos, o processo de ato infracional, é um processo ajuizado contra um menor que cometeu um crime, como roubo, ou homicídio,ou furto,etc, e ao invés de ser julgado por um Juiz de uma Vara Criminal, será julgado pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude. E caso seja condenado, cumprirá a pena em um local diferenciado, que são os CASEs(Centro de Atendimento Socioeducativo Regional), antigamente conhecidos como FEBEM, e não em uma penitenciária comum.O interessante é que muitos menores que cumprem pena no CASE atualmente, eram menores que foram acolhidos em abrigos de nossa cidade no passado, por problemas de abandono dos genitores, abuso sexual, violência doméstica, etc.Assim, infelizmente, e digo isto sinceramente já que vejo esta situação constantemente, existe grande chance da criança acolhida de hoje ser o menor infrator recolhido ao CASE amanhã.Antes de trabalhar aqui na Vara da Infância, eu era um defensor da redução da maioridade penal. Achava sinceramente que se reduzindo a maioridade penal para dezesseis anos, por exemplo, se estaria ajudando a combater a criminalidade brasileira. Mas após minha vinda para cá, e vendo todos os dias processos de atos infracionais com crianças que já são conhecidas aqui no Juizado, devido a história triste que possuem, mudei radicalmente de ideia.Porque entendi que a questão não é reduzir a maioridade penal, ou aumentar o tempo de cumprimento de uma medida socioeducativa. Acho que até já sabia da solução antes, mas infelizmente nunca prestei atenção porque o problema estava muito longe de mim. Mas enfim vi, que o problema não é o menor e sim a sociedade que forjou o menor em questão. Pois o que se esperar de uma criança que com três, quatro, cinco anos, é abusada por seu pai ou sua mãe, ou por um estranho, as vezes em situações que perduram por anos a fio? Ou que são espancadas diariamente, sendo obrigadas a mendigar, ou praticar outras ações com as quais não concordem, até serem acolhidas em um abrigo, onde vivem uma vida de idas e vindas por estas instituições,até serem desacolhidas por ter completado a maioridade? Não questiono o trabalho dos funcionários destas instituições, os quais na maioria das vezes são imbuídos de todo carinho e atenção possível com os menores, fazendo um belo trabalho, mas que de forma alguma vai substituir o amor e carinho que deveriam ser dados por um pai e uma mãe!Assim hoje eu penso diferente. Acredito que o Estado tem o dever sim de repreender, de punir, enfim, de educar o menor infrator. Mas entendi que este mesmo Estado que pune, também tem o dever de prestar assistência digna ao cidadão, com a criação de políticas sociais que evitem a existência de tantas e tantas famílias com uma quantidade imensa de filhos, os quais certamente irão viver na pobreza extrema, até irem parar em um abrigo e posteriormente engrossarem a lista dos CASEs existentes em nosso Estado.

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